sexta-feira, 8 de abril de 2011

11- Mais problemas, mais viagens

  Acordei às 2 da manhã no outro dia. Minhas malas já estavam prontas desde a noite anterior, mas o voo sairia cedo e tinhamos que estar no aeroporto com duas horas de antecedência. Eu combinara com Bianca de que nos encontraríamos na frente da sorveteria, como sempre.
  Quando cheguei lá, Bianca já estava sentada na calçada com sua mala marrom parada ao lado dela. Pela sua cara, ela havia dormido menos do que eu, tinha olheiras profundas e seus olhos estavam inchados, como se ela tivesse chorado a noite inteira. Eu não duvidava muito que ela realmente tivesse feito isso.
  - Oi, como passou a noite?- Perguntei, mas logo em seguida quis voltar atrás e ficar calado. Esperei um tapa ou algo do gênero, mas tudo o que recebi foi uma resposta rápida e fria:
  - Como todas as outras em que passei sozinha. Vamos, temos que ir para o aeroporto.- Ela se levantou e pegou sua mala.- Você não vem?
  - Sim...ér... claro.- Levantei minhas mala do chão e segui Bianca.
  Nós caminhamos em linha reta por algum tempo até que ela parou e disse:
  - Para onde estamos indo?- Eu não esperava por aquilo, simplesmente não esperava. Achei que, como Isabel, ela me levaria até o aeroporto de vassoura ou que se transformaria em um corvo para chegar mais rápido.
  - Não sei, você não vai pegar sua vassoura?
  - Você acha que posso sair voando de vassoura assim? Sem nenhuma razão especifica?
  - Acho.
  - Pois esta muito enganado e, além do mais, sou muito nova para isso, não aprendi ainda.- Bianca falou como se fosse a coisa mais normal do mundo. Não era normal para mim.
  Ela chamou um taxi para nos levar até o aeroporto. Eu não sabia como ela faria para pagar, mas parecia  muito segura do que estava fazendo, então resolvi não perguntar.
  Entramos no taxi, o taxista era um homem sem pescoço, com um nariz largo em forma de gancho, olhos muito pequenos que quase se perdiam no meio de tantas rugas e um fio quase invisível como boca, uma figura realmente divertida, mas ele não sorria e me lembrava um buldogue inglês com sua voz grossa.
  - Aeroporto, por favor.- Falou Bianca.
  - Vocês tem dinheiro para pagar?- O homem perguntou como se fossemos duas crianças prontas para enganar um motorista de taxi sem senso de humor.
  - Temos, temos sim senhor, não se preocupe.- O homem grunhiu e ligou o taxi, que fez um barulho alto e agudo antes de começar a andar.
  Bianca não disse uma palavra durante todo o  caminho, o silêncio era quebrado apenas pelos grunhidos do motorista, o que não era muito agradável. Meus pais não tinham ideia de onde eu estava naquele momento, achei que eles não me deixariam ir até Veneza junto com Bianca. Eles nem sentiriam minha falta, seria como se um dos pequenos peixes de um enorme aquário desaparecesse: com tantas pessoas nesse mundo, porque eles se importariam logo comigo?
  - São R$30,00.- Disse o motorista assim que parou o carro na frente do aeroporto. Bianca tirou o dinheiro da bolsa e entregou para ele. O homem grunhiu outra vez e, depois que saímos do carro, saiu em alta velocidade dali.
  - Estranho ele, não?- Falei para Bianca.
  - Sim, ele é um pouco... diferente. Mas me parece muito familiar, eu não sei bem porque.- Olhei para ela por um segundo com uma expressão de dúvida, mas ela deu de ombros e continuou andando.
  Eu nunca conseguiria imaginar que uma pessoa como aquele taxista pudesse ser familiar para alguém. Era uma figura bizarra. Mas, se Bianca achou familiar, então era melhor deixar para lá. Continuamos andando com nossas malas até o check-up. Não era muito bom estar ali naquela hora, eu tinha a impressão de que ninguém queria nos atender porque ainda estavam dormindo.
  Paramos em frente te um homem de mais ou menos 25 anos, magro, com cabelos ruivos, olhos verdes e muitas sardas pontilhando seu nariz pontiagudo. Ele era alto e se parecia um pouco com um zumbi por causa da cara de sono e da xícara de café que, sem motivo algum, ele balançava freneticamente. Era a segunda figura estranha que eu via naquele dia, será que em Veneza ainda apareceria mais alguma? Eu esperava que não.
  O homem ruivo pegou nossas bagagens com muita pouca vontade e fez um sinal com as mão dizendo que podíamos ir. Ele não era muito divertido pelo visto, não disse nem sequer bom dia, nem mesmo uma palavra. O atendimento as 2:30 da manhã não era muito bom.
  - Agora é só esperar o avião chegar.- Comentei, apenas para quebrar o interminável silêncio. Mas Bianca nem mesmo se dignou a olhar para mim, apenas balançou afirmativamente a cabeça e continuou olhando para o nada, com o pensamento muito longe.
  Era estranho ver minha amiga, normalmente tão radiante e autoritária, calada daquela forma, vulnerável de tal modo que achei, por um minuto, que teria de protege-la de qualquer perigo, pois não parecia mais achar que valia a pena viver.
  - Bianca, sabe o que estamos indo fazer, não é?
  - Sei. Sei que vamos salvar sua amiguinha e que vou ter que aguentar minha irmã por mais alguns dias. Ainda bem que ela está morta e só vai ficar por pouco tempo.- Engoli uma resposta grossa para esse comentário sobre Isabel. Não queria provocar uma briga, não naquele momento, não depois do que Bianca tinha passado no dia anterior.
  - É.
  Eu não tinha mais nada a dizer, mais nenhuma palavra me parecia útil, confortante ou mesmo apropriada para aquele momento. Era lógico que o que minha amiga estava passando era algo que estava longe, muito longe do meu entendimento, era algo que, por mais que eu tentasse, não conseguiria entender.
  Para minha sorte, o número do nosso vôo foi anunciado alguns minutos depois, acabando com aquele silêncio infernal e desconfortavel que fazia com que eu me sentisse um inútil incapaz de ajudar minha melhor amiga.
  - Vamos, quanto mais rápido sairmos daqui, mas rápido voltamos para cá. Não quero perder tempo.- Disse Bianca, voltando com seu tom autoritário que, normalmente, me irritava, mas que agora fazia com que eu sentisse que minha amiga estava de volta.
  Assenti e peguei minhas malas. Eu pretendia pegar as dela também, mas Bianca foi mais rápida e saiu na minha frente, trotando como uma executiva apressada. Eu simplesmente a segui, novamente submisso ao tom dela.
  Entramos no avião. Éramos, praticamente, as únicas pessoas lá dentro, a não ser pelas aeromoças e um homem que estava dormindo na poltrona. Deixei Bianca sentar na janela porque sabia que ela precisava se desligar um pouco e nada melhor para isso do que olhar pela janela do avião.
  Não demorou muito e Bianca estava dormindo, apoiada no meu ombro direito. Não era a toa, nenhum de nós tinha dormido muito naquela noite. Mas eu tinha medo de dormir. Medo de sonhar e descobrir alguma outra coisa que só pioraria minha vida...

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