Como eu já esperava, sai da casa de Bianca completamente machucado e sem saber andar de bicicleta. Eu não conseguia aprender, me parecia muito difícil pensar no equilíbrio e nos pés ao mesmo tempo. E no dia seguinte, Bianca já havia me avisado, ela ia continuar me ensinando até eu aprender. Será que era muito difícil entender que esportes não eram a coisa que eu mais gostava? Era só olhar para minhas notas em educação física que já se percebia isso.
Entrei em casa sem ninguém me ver. Heloísa estava indo para a escola durante a tarde agora e Marina estava dormindo, meus pais estavam trabalhando, então realmente era difícil que alguém me visse ali. Me arrastei até o banheiro e tomei um banho gelado. Aquele tinha sido o dia menos divertido que eu passara com Bianca.
- Felipe, é você?- Chamou minha mãe de dentro do escritório.
- Não mãe, é o Bicho Papão.- Falei ironicamente.
- Não brinque comigo, Felipe.
- Se você sabe que sou eu, por que pergunta?
- Porque quero uma resposta concreta.
- Esta bem então: sim mãe, sou eu.
- Ótimo, agora vá comprar pão. Tem dinheiro em cima da mesa da cozinha. E não demore, sua irmã vai acordar logo e vai querer comer alguma coisa.- Revirei os olhos e murmurei algumas reclamações, mas acabei por pegar o dinheiro e sair de casa. Qualquer coisa para ficar longe da minha irmã.
Caminhei o mais devagar possível até a padaria da esquina. Além de todos os arranhões que eu havia conseguido na tentativa de aprender a andar de bicicleta e do cansaço que eu sentia, eu ainda estava sem a menor vontade de voltar para casa, por isso pretendia demorar o máximo possível na padaria e levar o máximo de tempo para chegar até lá. Era um plano bem comum, que eu costumava usar com frequência, mas que sempre funcionava.
Fui com olhando as árvores, cumprimentando os vizinhos e ouvindo o canto dos pássaros, simplesmente aproveitando meu tempo fora de casa. Depois de mais ou menos 15 minutos, cheguei a padaria. O lugar estava quase vazio, com aquela mesma cara de abandonada e a mesma pintura gasta que a padaria sempre teve. Eu havia passado a minha vida indo e vindo daquele estranho lugar, os donos me conheciam muito bem e sempre me cumprimentavam quando eu passava por ali.
Parei ao lado da porta e esperei um pouco. Eu gostava de entrar quando o lugar estava vazio, assim eu podia demorar mais nas conversas. Pelo que eu estava ouvindo, havia alguém mais além dos donos da padaria ali dentro.
- Pai, mais cedo ou mais tarde vou ter que contar pra ele!- Disse a voz de uma garota, devia ter mais ou menos a minha idade.
- Não minha filha, é melhor não. Sei que ele é seu amigo, mas temos que manter este segredo, esta bem?
- E eu tenho escolha? Só queria que meus amigos pudessem saber quem sou.- Aquela voz me parecia muito familiar, por isso resolvi me esconder e esperar que eles saíssem da padaria. Quem será que escondia um segredo? Minha curiosidade queria saber.
Eles passaram mais alguns minutos dentro da loja até que finalmente saíram. Era uma garota de cabelos castanhos, pele bronzeada e olhos castanhos: Bianca. O que ela estava escondendo? Por que ela não podia contar para mim ou para quem quer que fosse? Eu só esperava que não fosse nada grava, nada como o que Isabel havia me contado há mais ou menos três meses. Aquilo não era nada bom.
Dei um passo para trás, com a intenção de sair dali sem que Bianca ou seu pai me vissem, mas meu plano foi destruído por uma latinha de refrigerante que estava bem atras de mim e que, por coincidência, eu acabei esmagando com um dos pés e fazendo um barulho alto.
- O que foi isso?- Disse Bianca se virando na minha direção e indo até a origem do som.
"Mas que droga!" pensei "tenho que dar um jeito de sair daqui sem ela me ver". Mas já era muito tarde.
- Felipe?- Perguntou ela parada na minha frente e olhando fixamente para os meus olhos.- O que você esta fazendo ai?
- E- e- eu vim... er... vim... comprar pão. É, foi isso que eu vim fazer.- Eu estava convencido com a minha resposta, mas Bianca parecia estar longe de aceita-la.
- E por que você esta escondido ai?
- Estou esperando os clientes saírem para poder conversar com o dono da padaria. Somos grandes amigos, sabe?- Ela hesitou por alguns segundos antes de responder:
- Bem, neste caso, você já pode entrar. Eu e meu pai éramos os únicos clientes. Até mais.- Ela se virou e deu alguns passos na direção do pai.- Hã.. Felipe.- Ela estava virada para mim agora.
- Que foi?
- Eu tenho que te...- Ela olhou para o pai que retribuiu com um olhar de desaprovação.
- Você tem que...
- Tenho que... que te dar tchau. Tchau.- Ela me deu um beijo rápido no rosto e continuou seu caminho até o pai. Eles foram embora e eu entrei na padaria para comprar os pães. O que Bianca estava escondendo? Por que o pai dela não a deixava contar? Aquilo estava me incomodando e por isso eu tinha que descobrir o que era. Tinha que ter certeza de que, dessa vez, minha melhor amiga era simplesmente humana.
Inspirado na padaria "Aguia de Ouro" no Córrego Grande.
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