Eu demorei para conseguir dormir naquela noite, mas eu sabia que precisava. Agora que o mistério de Bianca tinha se resolvido, pelo menos em parte, eu tinha que me concentrar no que Isabel havia me dito. Sara estava em perigo e eu tinha obrigação de ajudar, afinal, ela era minha irmã mais nova e, entre todas as irmãs mais novas que eu tinha, era a que eu mais gostava.
Fechei meus olhos com força e consegui obrigar minha cabeça a esquecer dos problemas por um minuto, assim eu conseguiria dormir. E eu consegui.
Me vi de repente no meio de uma rua em Portugal. Eu tinha certeza de que ali era Portugal, mas eu não sabia bem porque. Não havia ninguém comigo, eu estava completamente sozinho, não havia ninguém na rua e nem mesmo nas lojas e casas. Eu estava parado na frente de um prédio alto, parecia ser velho pois a pintura estava desgastada e as portas e janelas estavam caindo aos pedaços.
- É ali que ela mora.- Eu não via ninguém, mas eu sabia que Isabel era quem estava falando comigo e ela se referia a Sara.
- Ali? Que lugar estranho.
- Sim. O pai dela esta muito doente, teve que parar de trabalhar e não pode pagar nada de... melhor.
- Pobre Sara, sempre acostumada com o bom e o melhor.
- Sim, ela sentiu um choque muito grande com toda essa mudança. Eu venho observando vocês desde que voltaram da Transilvania. Você eu sei que sabe se virar, mas Sara ainda precisa da nossa ajuda.
- Isabel, eu não sei se consigo sozinho.
- Mas você não esta sozinho.- Agora eu conseguia ver os lindos e longos cabelos negros flutuando ao meu lado. Era horrível a ideia de que eles eram a penas uma ilusão, que se fossem tocados desapareciam. - Você tem Bianca e você tem a mim.
- Mas você esta... esta ai, do outro lado.
- Felipe, você fala como se uma simples barreira entre a vida e a morte fosse nos separar. Não vai se livrar de mim assim tão fácil.- Ela riu, mas eu não achei graça nenhuma, eu não queria me livrar dela, queria que ela voltasse.- Eu estou brincando. Veja bem Felipe: em Veneza existe uma mulher que pode me trazer de volta por alguns dias, mas para isso algum vivo tem que ir até lá e pagar.
- Não tenho dinheiro o bastante.
- Ela não quer dinheiro, ela quer um pagamento em poder. É como uma troca, Bianca sabe como fazer.
- E você acha que ela vai até Veneza comigo para fazer você voltar da morte? Isabel, vocês se odeiam, esta lembrada? Ela nunca vai me ajudar a salvar você.
- Você não vai até Veneza pra me salvar, vai até lá para que eu te ajude a salvar Sara.
- E quem vai convencer ela? Com quais argumentos? E quem vai pagar toda essa viagem, pra Itália e depois para Portugal?
- Você vai ver. Só fale com Bianca, esta bem? Agora que o assunto esta encerrado, vou deixar você entrar rapidamente no prédio e dar uma olhada, esta bem? Mas seja rápido.
- Certo, serei rápido.- Eu subi alguns degraus e abri a velha porta do lugar.
As escadas eram feitas de madeira e assim que subi o primeiro degrau, ele rangeu e um pequeno pedaço dele se quebrou. Pelo visto não era um lugar muito seguro. Resolvi não me arriscar e sair logo dali, eu já tinha visto o suficiente por um sonho.
- Bom dia, Lipe!- Gritou Marina no meu ouvido.
- Ta feliz?- Perguntou Heloísa ao seu lado.
- Feliz? Feliz por que?
- Felipe, o que esta acontecendo com você meu filho? Hoje é dia 9 de abril, lembra? Seu aniversário de 14 anos.- Meu Deus, como eu havia esquecido do meu próprio aniversário? Eu estava mesmo sobrecarregado de problemas, tantos que eu havia me esquecido completamente do meu aniversário.
- Sim mãe, é claro, é claro que é por isso. Bem, eu... eu estou feliz sim, estou muito feliz.
- É claro que esta. Olhe, eu vou sair com as meninas e seu pai, se você quiser ir também pode ir, se não quiser pode ir para a casa de Bianca, ou de algum de seus amigos. Vítor por exemplo, faz um bom tempo que você não o visita.- A verdade era que eu e Vítor havíamos brigado por causa de um jogo de basquete há algum tempo e, mesmo que já tivéssemos feito as pazes, ainda não nos falávamos tanto quanto antes e a ideia de que Isabel tinha morrido só para salva-lo me irritava profundamente.
- Eu vou até a casa de Bianca, pode ser? Temos um trabalho pra fazer e...
- Ta bom, tchau.- Foi tudo o que a minha mãe disse antes de sair do quarto e me deixar sozinho ali.
"Ótimo, agora eu tenho 14 anos e uma viagem marcada para Veneza. Pareceria ótimo se não fosse tão perigoso." foi o meu primeiro pensamento decente com 14 anos. Eu não me sentia nem um pouco diferente, nem um pouco mais velho, nem um pouco mais maduro e nem um pouco pronto para resolver meus problemas.
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